quarta-feira, 22 de abril de 2009

A Tragédia de Sócrates

Na linha filosófica descrita do artigo anterior, lembrei-me de Nietzsche, filósofo alemão, que foi ferozmente contra o pensamento socrático (Sócrates, Filósofo), denunciando na sua primeira obra publicada, "A Origem da Tragédia" onde, através, de algumas questões fundamentais às quais vai procurar responder:

- Qual a razão porque, um povo que valoriza tanto a razão, a ordem e o controlo das paixões, teve necessidade de criar uma arte, como a tragédia, onde se expressa o irracional, o misterioso?

- Como deve o homem encarar o sofrimento, a crueldade, a dor e o horror que caracteriza a história da humanidade... é possível dar algum sentido a esta história? O sofrimento e o horror são inerentes à própria condição humana?

Para responder a estas questões, Nietzsche estuda a origem da tragédia, pondo em evidência a sua origem ligada ao culto do Deus Dionísio. Recorde-se, que Dionísio ou Baco foi o último deus a entrar no Olimpo. Homero não o considerava ainda imortal. É popularmente conhecido como o Deus do Vinho. Contava-se que era originário de Tebas, filho de Zeus e da princesa Sémele. Tal como o Deus Osíris do Egipto, foi morto e ressuscitado. Aparece ligado aos cultos primaverís. Os seus rituais ocorriam na montanhas e florestas, praticando-se a embriaguez, comendo-se o corpo e bebia o sangue de seres humanos, os quais foram substituídos por animais, como bodes. A palavra tragédia, significa "canto do bode". Dionísio simboliza a natureza, o excesso e o irracional. O culto a Dionísio, na antiga Grécia, aparece ligado a orgias e festividades onde eram cometidos todo o tipo de excessos. As festas em honra de Dionísio são inseparáveis, também, da música e da dança onde os participantes de fundem com o todo envolvente ( o Uno Primordial, a energia vital ). A este deus, contrapôs Nietzsche, um outro chamado Apolo, dos quais estabelece, assim, uma dualidade na cultura grega. Dionísio e Apolo foram erigidos em princípios de toda a criação artística. Apolo é o contraponto de Dionísio. É o símbolo da ordem, medida, proporção e forma. Identifica-se com o sonho, as imagens e as formas individualizadas. As suas artes são a epopeia (Homero) e a escultura.

Podemos dizer, que o primeiro exprime as forças misteriosas e irracionais que emergem da natureza, o segundo a ordem e modelação que lhes é dada. A arte resultada desta tensão e desequilíbrio entre dois espíritos, o de Dionísio e o de Apolo é a Tragédia. Nietzsche refere que artes prepondera mais um espírito que outro, o que terá levado a certas classificação das artes em função deste critério. A finalidade da arte é proporcionar um espécie de consolo metafísico. Ela é a afirmação da vida perante a crueldade e o horror e, através, disso consiste a sua grandeza, colocando-se desta forma para além do bem e do mal. A história do teatro grego foi re-interpretada por Nietzsche à luz desta dualidade (Dionísio e Apolo), procurando através da mesma, responder às duas grandes questões que no inicio foram colocadas.

O apogeu da tragédia, corresponde à sua primeira fase, onde manifestou-se um perfeito equilíbrio entre o espírito de dionisíaco e o apolíneo. O coro dos sátiros e a música exprimiam então a violência do real, o caos original. As tragédias de Esquilo e Sófocles manifestam-se conformes a este mundo, onde Dionísio era o verdadeiro herói da cena, cujo sofrimento era cantado por o coro. Enquanto durou esta fase, da tragédia grega, a questão de um sentido da existência humana não se colocava para os gregos. Estes pareciam aceitar a falta de sentido do mundo e da sua existência, fazendo a força para enfrentar esta realidade a principal virtude.

Os gregos sentiam que o mundo não tinha qualquer finalidade. A sua criação não era atribuída a qualquer deus. A matéria de que era feito, sempre existira e obedecia às leis que lhe eram próprias. Os deuses pouco ou nada podiam fazer para contrariar esta realidade. Como os homens também eles estavam submetidos aos mesmos ciclos da natureza: nasciam, sofriam e desapareciam quando terminava o ciclo do eterno retorno. Afastados no mundo humano, pouco mais eram do que objectos estéticos. Nenhum deus está em condições de assegurar aos homens a paz ou a felicidade. Estes estão entregues a si próprios, restando-lhes apenas viverem com sabedoria a vida, gozando o presente. Depois espera-os o horror do Hades, lugar de trevas e de silêncio, donde voltarão para reencarnarem um novo corpo, sofrerem e voltarem a morrer.

"Entre todos os seres que sobre a terra respiram e se movimentam, nenhum é mais infeliz do que o homem". Homero, Odisseia.

A decadência da tragédia, começa no tempo de Eurípides, contemporâneo de Sócrates. Nietzsche assinala toda uma série de modificações que são então introduzidas nas suas representações:

- As cenas de Dionísio e da sua paixão heróica são retiradas
- O coro trágico é transformado em poema ou coro histórico
- As cenas narradas aproximam-se das vivenciadas pela própria assistência, retirando-lhe assim toda a sua carga mítica.
- Multiplicam-se os actores e os efeitos cénicos, aumentando o efeito de diversão.

Correspondendo a esta decadência da tragédia, surge a comédia. Aristófanes, o seu principal autor, nelas coloca tudo a ridículo para gáudio da assistência. A questão do sentido da existência humana sofre, então, segundo Nietzsche, uma mudança profunda. Antes todavia de respondermos a este ponto vejamos primeiro as causas da decadência da própria tragédia.

A principal causa da decadência da tragédia tem um nome: Sócrates. Ele encarnou o espírito de Apolo, e levou a sua preponderância na cultura grega, contribuindo assim para a negação do espírito dionisíaco. Sócrates é assumido como o modelo do homem contemplativo ( teórico), avesso às paixões e a tudo aquilo que tenha a ver com o corpo. Foi ele que descobriu e apontou um sentido para vida humana: a salvação da alma, o que implicava a renuncia dos prazeres corporais, os instintos. Com Sócrates, a vida terrena começa a ser preterida em favor de uma outra vida, no além. Todos aqueles que desistiram de lutar (viver), os fracos, refugiam-se nesta ilusão, encontrando nela um consolo. Perante esta transmutação de valores, operada por Sócrates, a reacção dos atenienses foi violenta.

Contudo, a sua morte acabou por lhe aumentar a fama e influência ao torná-lo num mito central da cultura ocidental. O modelo de homem que Sócrates irá legar às gerações futuras está assim mutilado. Trata-se de um Homem que privilegia o razão desprezando a vida, que contrapõe o saber ao mistério. Este homem, imagina um mundo ordenado mas, onde reina o caos, só encontra uma única escapatória para o seu sofrimento: a ilusão de um outro mundo. O cristianismo irá prosseguir o caminho aberto por Sócrates, segundo Nietzsche.

Após a leitura deste texto, qual as semelhanças, entre os factos com a realidade vivida pelos portugueses, ao ler as previsões do FMI, no seguimento das outras projecções anunciadas, por outras instuições, anunciadas há dias?!...

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